Qualquer criança pode tocar violão?

Com um método pensado para que a criança se desenvolva passo a passo e com professores capacitados para trabalhar com essa faixa etária, toda criança pode aprender a tocar violão!

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Autor do texto

João Víctor é musicista e educador musical com foco em educação infantil. Atua na escola de violão 6 Cordas e cursa licenciatura em Música na Universidade de Brasília.

As crianças se relacionam desde muito cedo com a música. Mais precisamente, desde antes do nascimento. De forma mais perceptível aos olhos, notamos isso desde os primeiros meses de vida: um bebê, ao ouvir uma música, esboça um sorriso. Antes mesmo de aprender a andar, começa a dançar, do seu jeito. Quando os bebês estão nervosos, cantamos para eles se acalmarem. Também cantamos para fazê-los dormir. Além disso, a música pode trazer diversos benefícios para o desenvolvimento cognitivo de uma criança.

Ao longo da infância, muitas crianças demonstram ter uma proximidade afetiva com a música. Então, como proporcionar aos filhos que sejam protagonistas nesse processo tendo uma relação mais profunda com ela?

A melhor maneira de interagir ativamente com a música é fazer música. Tocar um instrumento. Será que isso é possível para todas as crianças?

Sim! Qualquer criança pode tocar um instrumento musical, como o violão. Um método pensado para que ela se desenvolva passo a passo e profissionais capacitados para trabalhar com essa faixa etária podem contribuir muito para isso.

Então, a partir de qual idade é recomendado que uma criança comece a fazer aulas de violão?

Idade mínima x idade ideal

A idade mínima para que uma criança comece a aprender violão é de mais ou menos 5 ou 6 anos. Nessa faixa etária, em geral, a criança já tem uma coordenação motora fina desenvolvida o suficiente para que seja possível a realização de um trabalho realmente musical com o instrumento. Antes dessa idade, é mais aconselhável colocá-la em aulas de musicalização infantil. Discorreremos sobre os benefícios da musicalização mais à frente.

Já a idade ideal para uma criança começar a fazer aulas de violão é quando ela estiver motivada a aprender o instrumento. Isso pode acontecer com 6, 9, 14 anos ou qualquer outra idade. A motivação vai ter uma influência direta no desenvolvimento musical da criança.

Agora vamos supor que o seu filho(a) já tem a idade mínima para aprender violão e está pulando de vontade de iniciar as aulas. A partir daí, o que é preciso para que a criança tenha uma boa experiência com esse aprendizado?

Profissional e método adequado

Apesar de haver uma grande demanda, é difícil achar professores ou escolas especializadas em ensino de instrumentos para o público infantil. Para complicar ainda mais, existem muitos professores que, apesar da boa vontade, não têm o preparo necessário e, por isso, tentam ensinar crianças com o mesmo conteúdo e a mesma estratégia de ensino usada para uma pessoa de 27 anos. Acredito que não preciso me alongar muito falando que provavelmente uma criança vai ter uma experiência frustrante desse jeito, certo? Então, como encontrar um bom professor de violão para seu filho(a)?

  1. Certifique-se de que a pessoa que vai ensinar seu filho realmente seja um professor de música. Isso parece óbvio, mas não é. Saber fazer e saber ensinar são duas coisas muito diferentes. Por isso, o professor do seu filho tem que ser alguém que, além de saber tocar, também tenha estudado desenvolvimento infantil e estratégias de ensino. Informe-se sobre a formação do professor;
  2. Procure saber se o professor ou a escola utiliza algum método específico (de criação própria ou não). Como dito no tópico acima, existem professores que sabem tocar, mas não sabem ensinar. Consequentemente, eles acabam ministrando aulas que não seguem sequências lógicas. É como se um professor quisesse ensinar uma criança a nadar e, ao invés de colocá-la em uma piscina com uma boia de braço, a jogasse direto no mar sem proteção alguma. Sim, na natação isso não daria certo e o equivalente na aula de violão também não;
  3. Busque a opinião e as avaliações de outras pessoas que já fizeram aulas nessa escola ou com esse professor e qual foi a experiência tanto dos pais quanto dos filhos. Pergunte sobre a didática, o método e, é claro, sobre o resultado das aulas. Se a criança tiver feito aula durante meses e a única coisa que ela souber tocar for “Parabéns pra Você” na primeira corda do violão, desconfie.

Se você quiser, assista o vídeo abaixo para ter uma ideia do que uma criança pode conseguir tocar após alguns meses de aula:

Ao encontrar um bom professor para seu filho(a), ainda há questões que precisam ser levadas em consideração para que a criança se desenvolva de uma maneira agradável. Falaremos sobre isso no próximo tópico.

Presença dos pais

Em escolas de instrumentos, geralmente há apenas uma aula por semana de mais ou menos 30 ou 45 minutos. Por isso, é muito importante a participação dos pais ou responsáveis na trajetória de aprendizagem da criança, já que grande parte da evolução no instrumento será conquistada em casa. E qual é o papel dos pais nisso? Treinar com o(a) filho(a) em casa. É bem provável que uma criança de 6 anos não tenha a disciplina de, por si própria, pegar o instrumento e treinar alguns minutos todos os dias. Já com o incentivo e presença dos pais, isso é possível e faz muita diferença no desenvolvimento musical da criança.

Outro cuidado importante é fazer com que a hora do treino se integre à rotina da criança e que seja um momento agradável. Se a criança for pressionada a treinar apenas como uma obrigação, ela achará chato e talvez perca a motivação. Então, como motivar e fazer um treino legal? Bem, para começar, é preciso que a criança goste de música antes de aprender um instrumento e que as vivências musicais dela, para além das aulas e dos momentos de prática, sejam cativantes. Escutem música juntos e tente identificar músicas, estilos e artistas que ela gosta. Apresente músicas diferentes e observe a reação dela. Vocês podem até fazer música juntos. Mesmo que você não saiba tocar nenhum instrumento, praticamente todo mundo consegue bater palmas ou manter uma batida em um pandeiro ou até mesmo com duas colheres. Seja criativo.

A importância do erro e dos incentivos

Eu ainda não conheço alguma criança (ou qualquer outra pessoa) que tenha aprendido a tocar violão sem nunca ter errado uma nota, confundido a posição dos dedos, perdido o ritmo etc. Por isso, é importante que a criança não perceba o erro como um fracasso, mas sim como um momento natural do aprendizado. Sobre esse tema, peço licença para citar alguém que, com certeza, entende disso melhor do que eu.

Pioneira em estudos de desenvolvimento pessoal e personalidade, a psicóloga Carol Dweck tenta explicar em seu livro, Mindset, o porquê de algumas pessoas lidarem melhor com os erros do que outras[1]. Na teoria dela, explicando de forma resumida, algumas pessoas acreditam que são capazes de melhorar suas habilidades e outras não. Mesmo não havendo consenso entre psicólogos e neurocientistas sobre a maleabilidade da inteligência, ela descobriu que alunos obtêm um melhor desempenho quando acreditam que a inteligência é maleável. Por isso, segundo ela, devemos elogiar a criança com frases que foquem no esforço dela.

Já ouviu alguém falar que nunca tentou aprender violão porque não tem o dom, o talento ou porque não tem coordenação pra isso? Esse é exatamente o tipo de crença que não queremos que uma criança tenha. Afinal, se ela acreditar que não nasceu com o dom para tocar o instrumento, qual será a motivação dela para passar pelos desafios da trajetória? Então, tenha isso sempre em mente: errar faz parte do processo.

Mas e se o seu filho(a) não tiver a idade mínima para fazer aulas de violão, mas gostar muito de música? Quer dizer que ele não pode ter nenhuma vivência musical? Não! É disso que vou falar no tópico a seguir.

A música na primeira infância

Como já foi dito, para que uma criança possa aprender a tocar um instrumento e não tenha uma experiência frustrante, é preciso de um certo desenvolvimento em sua coordenação motora fina. Se você tiver um filho(a) que ainda não chegou nessa fase, ele(a) pode fazer aulas de “musicalização infantil”.

A musicalização infantil tem como objetivo expor a criança a um ambiente musical e é um espaço convidativo para fazer com que ela expresse e desenvolva toda a musicalidade que já está dentro dela. Para isso, os professores utilizam diversas atividades nas quais a criança pode treinar suas habilidades de ritmo, percepção, senso de trabalho em grupo e vários outros aspectos. Ah, e tudo isso de maneira divertida, tocando instrumentos, dançando, cantando, batendo palmas ou batucando.

Pode ser que agora você esteja se perguntando se tudo isso realmente vai fazer alguma diferença na vida do seu filho(a). Pensando nisso, eu escrevi uma última seção baseada em pesquisas científicas especialmente para falar de alguns benefícios que a música traz às crianças.

Benefícios da educação musical

Iniciei este texto falando que é possível perceber os benefícios da música em uma criança desde os primeiros meses de vida e que a relação com a música começa antes mesmo do nascimento.

Uma pesquisa realizada na Universidade de Helsinque, na Finlândia, mostrou que bebês conseguem se lembrar de músicas que foram tocadas enquanto ainda estavam no útero. Essa lembrança dura pelo menos até os 4 meses de vida, que foi o período de realização do estudo. Essa pesquisa demonstra tanto a precocidade da relação de bebês com a música quanto também sugere que o ambiente sonoro do bebê no útero pode ter efeitos benéficos ou maléficos. [2]

Crianças com menos de 3 dias de vida, de acordo com István Winkler[3] e outros pesquisadores, já conseguem detectar padrões rítmicos e, além disso, perceber se esse padrão é modificado. Vale dizer que a percepção rítmica não é importante apenas para a música, mas também para a percepção da fala e para interações sociais[4]. Além disso, a pesquisadora Nina Kraus também correlaciona a habilidade de manter um ritmo com a habilidade de leitura[5].

Talvez você já tenha começado a perceber que a educação musical pode influenciar áreas da nossa vida que a princípio não parecem estar conectadas à música. Outro exemplo disso é uma pesquisa conduzida pela Marie-Eve Joret, na qual ela comparou a concentração de crianças de 9 a 12 anos que frequentavam ou não aulas de música[6]. Para isso, as crianças realizaram a Simon Task (tarefa Simon). Nessa pesquisa, todas as crianças foram solicitadas a pressionar uma determinada tecla quando uma cor específica aparecesse na tela do computador à sua frente. Nesse teste, as crianças que participavam de aulas de música obtiveram um melhor desempenho.

Da mesma forma, em outra pesquisa, dessa vez conduzida por Katri Saarikivi, quando crianças de 3 a 9 anos foram solicitadas a nomear figuras de maneira oposta (por exemplo: “para cima” quando aparecem setas para baixo), as crianças treinadas musicalmente conseguiram um melhor desempenho[7]. Em um mundo em que estamos cada vez mais rodeados por distrações, a concentração se torna uma ferramenta bastante relevante seja nos estudos, trabalho ou em outras áreas da nossa vida. 

Por fim, eu ainda poderia citar outros estudos que correlacionam a educação musical com melhores notas em algumas matérias escolares, maior controle de respostas impulsivas, melhor audição na velhice e tantos outros benefícios que a música pode nos proporcionar. Mas, para finalizar, gostaria de dizer que um outro motivo, para mim o principal, para incentivarmos crianças a aprender música é justamente a música em si. Tocar um instrumento nos faz bem, além de ser muito divertido! E, assim como dito pela educadora e pesquisadora Anita Collins, desde o nascimento somos musicais.

Referências utilizadas:

[1] Dweck, Carol S. Mindset : a nova psicologia do sucesso / Carol Dweck ; tradução S. Duarte. – 1a ed. – São Paulo : Objetiva, 2017

[2] https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0078946#pone.0078946-Chang1

[3] https://www.pnas.org/content/106/7/2468

[4] The child as musician: A handbook of musical development (New York, Oxford University Press, 2006) editado por Gary E. McPherson.

[5] Kraus, N., & Anderson, S. (2015). Beat-Keeping Ability Relates to Reading Readiness. Hearing Journal68(3), 54-56.

[6] https://psmag.com/news/another-brain-benefit-of-music-lessons#.j3a1lyb1p

[7] Saarikivi, K., Putkinen, V., Tervaniemi, M., and Huotilainen, M. (2016). Cognitive flexibility modulates maturation and music-training-related changes in neural sound discrimination. Eur. J. Neurosci. 44, 1815–1825. doi: 10.1111/ejn.1317 

Autor do texto

João Víctor é musicista e educador musical com foco em educação infantil. Atua na escola de violão 6 Cordas e cursa licenciatura em Música na Universidade de Brasília.

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